sábado, 25 de setembro de 2010

"...Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita..."

“Estou dentro dos grandes sonhos da noite: pois o agora-já é de noite. E canto a passagem do tempo: sou ainda a rainha dos medas e dos persas e sou também a minha lenta evolução que se lança como uma ponte levadiça em um futuro cujas névoas leitosas já respiro hoje. Minha aura é mistério de vida. Eu me ultrapasso abdicando de mim e então sou o mundo: sigo a voz do mundo, eu mesma de súbito com voz única.
O mundo: um emaranhado de fios teleféricos em eriçamento. E a luminosidade no entanto obscura: esta sou eu diante do mundo.
Equilíbrio perigoso, o meu, o perigo de morte de alma. A noite de hoje me olha com entorpecimento, azinhavre e visco. Quero dentro dessa noite que é mais longe que a vida, quero, dentro desta noite, vida crua e sangrenta e cheia de saliva. Quero a seguinte palavra: esplendidez, esplendidez é a fruta na sua suculência, fruta sem tristeza. Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.”

Clarice Lispector 

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